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Lei da Guarda Compartilhada completa nove anos com alterações e novas reflexões

  • Foto do escritor: Marília Varela
    Marília Varela
  • 22 de dez. de 2023
  • 5 min de leitura

Novas diretrizes impactam a lei enquanto desafios impedem sua efetiva implementação


Em novembro passado, entrou em vigor a Lei 14.713/2023, que impede a concessão da guarda compartilhada de crianças e adolescentes quando há risco de violência doméstica. Trata-se da principal atualização legislativa acerca das dinâmicas familiares no Brasil em 2023, ano em que a Lei da Guarda Compartilhada (13.058/2014) completa nove anos, celebrados nesta sexta-feira (22). 


O advogado Conrado Paulino da Rosa, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Rio Grande do Sul – IBDFAM-RS, explica que a nova lei altera o § 2º do artigo 1.584 do Código Civil, segundo o qual “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar”.


“O deferimento de uma medida protetiva não impede automaticamente a aplicação da guarda compartilhada, sendo essa possibilidade condicionada à presença de violência doméstica ou familiar, conforme avaliado pela equipe interdisciplinar”, afirma.


Ele reforça a necessidade de colaboração entre o Direito, a Psicologia, o Serviço Social e a Psiquiatria como a principal forma de garantir a aplicação efetiva da guarda compartilhada. “O exercício da parentalidade é um direito fundamental da criança e do adolescente, então devemos sempre assegurar que ambos os pais exerçam seus direitos parentais”, acrescenta.




Decisão baseia-se no que é melhor para as crianças e adolescentes


Vale lembrar que os critérios para a determinação da guarda compartilhada baseiam-se no melhor interesse da criança ou adolescente, principalmente em situações litigiosas.


“Nas questões familiares, os filhos são os destinatários principais de todas as decisões. Em casos de dissolução conjugal com filhos, profissionais do campo jurídico devem conscientizar os pais de que os papéis conjugais e parentais são distintos, sendo que os papéis parentais nunca se encerram”, aponta.


Ele destaca também a chamada guarda compartilhada coativa, em que o juiz impõe o compartilhamento, “evitando que a guarda unilateral seja usada como troféu”.


“A lei é clara ao estabelecer a guarda como a regra, mesmo em casos de litígio, reconhecendo que ambos os pais têm direitos e deveres equivalentes no início da parentalidade”, acrescenta.


Histórico: guarda compartilhada tornou-se obrigatória em 2014


A guarda compartilhada começou a ser praticada no Brasil em 2002, mas foi somente em 2008 que tornou-se legalmente instituída por meio da Lei 11.698, que alterou os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil. Em 2014, foi sancionada a Lei 13.058, que tornou obrigatória a guarda compartilhada dos filhos mesmo nos casos em que haja desacordo entre os pais.


“A implementação efetiva da guarda compartilhada no Brasil tem sido limitada, com a predominância de uma guarda unilateral da mãe. Mesmo quando denominada ‘guarda compartilhada’, muitas vezes, a mãe permanece com a criança diariamente, enquanto o pai tem dias de convivência, antes chamados de visitação. Ou seja, na prática, a lei não trouxe mudanças significativas”, avalia o jurista Rolf Madaleno, Diretor Nacional do IBDFAM.


Para ele, uma mudança seria alcançada caso fossem reconhecidas residências duplas de referência, ou seja, na casa de ambas as filiações.


“O desafio reside no fato de que a residência de referência é frequentemente associada à guarda unilateral. A sugestão é que, ao reconhecer duas residências como referência, poderia ser o ponto de partida para uma transformação efetiva”, defende.

Divisão não é sinônimo de equilíbrio


Ele destaca que, embora inicialmente tenha havido a intenção de dividir o tempo de permanência dos filhos entre os pais, na prática, o compartilhamento é limitado às responsabilidades e decisões.


“O diálogo e a comunicação entre os pais são fundamentais para efetivar a guarda compartilhada, mas, na ausência disso, as decisões importantes continuam sendo tomadas de forma unilateral”, afirma.

Diante deste cenário, Rolf Madaleno sugere que os pais implementem uma residência de referência comum para ambos e, assim, assumam efetivamente as responsabilidades associadas à convivência com os filhos.


“O hábito arraigado de que a mãe é responsável pela maioria das questões cotidianas dos filhos precisa ser superado. Uma sugestão é a adoção de um termo de responsabilidade, um pacto entre os pais que defina claramente suas responsabilidades em relação à educação, saúde e demais cuidados com os filhos. Isso poderia ser o caminho para equalizar os direitos e obrigações parentais”, defende.




Novo rumo da jurisprudência brasileira: Justiça de São Paulo modifica regime de guarda compartilhada por histórico de violência doméstica do pai


Em julho de 2023, antes da vigência da Lei 14.713/2023, que impediu o compartilhamento da guarda em casos de violência doméstica e familiar, a Segunda Vara da Família e Sucessões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP modificou o regime da guarda de dois adolescentes de compartilhada para unilateral em favor da mãe. Além disso, ficou decidido que as visitas do pai são livres, a critério dos jovens.


De acordo com os autos, a família vivenciava o regime de guarda compartilhada estabelecida judicialmente por meio de acordo entre as partes. No entanto, os adolescentes se recusavam a manter contato e convivência com o pai pelo histórico de violência doméstica do homem.


No processo, o laudo do estudo social constatou que não há bom relacionamento entre as partes. Os dois filhos foram ouvidos em juízo e demonstraram não ter interesse em ter contato com o pai por conta das situações de violência vivenciadas.


Diante disso, o juízo sentenciou a mudança da guarda de compartilhada para unilateral em favor da mãe, assim como estabeleceu visitas livres a critério dos adolescentes.


Melhor interesse


Para Bruno Campos de Freitas, advogado do caso e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão é correta por atender ao princípio constitucional do melhor interesse da criança ou do adolescente.


“Apesar de o ordenamento jurídico estabelecer a guarda compartilhada como regra, esse modelo pode ser afastado nos casos em que ele não atende ao bem-estar da criança e do adolescente, como no caso narrado”, explica.

Para ele, fatos relacionados à violência doméstica, mesmo que envolvendo somente o casal parental, devem ser levados em conta nas decisões que regulamentam a guarda de crianças e adolescentes.


“O entendimento contrário a isso não é compatível com a própria natureza da guarda compartilhada, que pressupõe, no mínimo, uma comunicação saudável entre os genitores”, afirma o advogado.
“No caso em questão, o histórico de violência doméstica perpetrado pelo genitor em desfavor da genitora, assim como o deferimento de medidas protetivas, inviabiliza, por si só, o exercício da guarda compartilhada, pois impossibilita a comunicação entre os pais para tratar das questões referente aos filhos.”

Violência doméstica


Para o advogado, a decisão é um avanço na luta contra as problemáticas por trás da violência doméstica.

“Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos que, em determinada idade, já possuem discernimento para opinar sobre determinadas questões da sua própria vida”, afirma Bruno Campos de Freitas.
“É injusto obrigá-los a se submeter a um dos genitores pela simples imposição legal, pois é necessário analisar se, na prática, irá atender aos interesses da criança e do adolescente, devendo ser rechaçada sempre que se mostrar prejudicial à sua formação e desenvolvimento saudável após verificar as circunstâncias do caso e da dinâmica familiar”, afirma o advogado.

 
 
 

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