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Responsabilidade Civil e Sharenting

  • Foto do escritor: Marília Varela
    Marília Varela
  • 25 de nov. de 2023
  • 3 min de leitura

Desde cedo aprendemos que na vida em sociedade, “o seu direito termina onde começa o do outro", mas, em se tratando do sharenting, parece que essa antiga norma social ainda não se aplica no caso de pais e filhos. Culturalmente, talvez por herança do pátrio poder, as pessoas tendem a enxergar a liberdade de expressão e exercício da autoridade parental dos pais como direitos ilimitados, em detrimento dos direitos dos filhos à imagem, privacidade e intimidade.


Entretanto, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a lógica é exatamente a inversa: no ordenamento jurídico brasileiro vigora o princípio do superior interesse da criança e do adolescente, que posiciona com absoluta prioridade a proteção integral dos seus direitos fundamentais (art. 227). No tocante aos pais, a Carta Marga determina que eles “têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores” (art. 229), de modo que a redação do texto não deixa dúvidas de que a relação se trata de um “dever” de proteção e não de um direito, como muitos preferem defender.




Assim, partindo dessa premissa, diante da colisão dos direitos dos filhos incapazes com os direitos dos pais, a Constituição Federal dá uma resposta muito clara: protege-se os direitos das crianças e dos adolescentes.


Partindo para uma análise mais profunda da exposição dos filhos na internet pelos pais, como dito acima, os direitos de imagem, privacidade de e intimidade são garantias constitucionais. Não bastasse isso, o art. 17 do ECA dispõe que o direito ao respeito assegurado a crianças e adolescentes abrange a preservação da imagem. Vemos, então, que a legislação brasileira não deu “carta branca” para os pais usarem a imagem de seus filhos como quiserem.


Tendo isso em mente, havendo exposição indevida da imagem dos filhos pelos pais, estaremos diante do abuso da autoridade parental e da liberdade de expressão, que se configura como abuso de direito, modalidade de ato ilícito previsto no art. 187, do CC. Podemos falar em dano em relação a publicações de imagens ou vídeos constrangedores dos filhos, o que caracteriza o dever de reparação civil, nos termos do art. 927, do CC.


Logo, os filhos podem pleitear a reparação pelos danos provocados quando atingirem a maioridade. Antes disso, precisarão de um de seus pais para representá-lo judicialmente contra aquele que abusou da autoridade parental. Além disso, poderão buscar a tutela jurisdicional por meio de curador especial (art. 72, I, do CPC), dado o conflito de interesses com os pais ou da defensoria pública.


Todavia, pensando na forma como o dano moral é reparado nos tribunais brasileiros, que é por meio de indenizações (geralmente já tabeladas e precificadas de forma aleatória), nos casos de filhos incapazes, parece paradoxal (e ineficaz) que um pai ou uma mãe sejam condenados a pagar indenização aos filhos, pois já arcam com todas as suas despesas e administram o aspecto financeiro de suas vidas. Eles pagariam e administrariam a indenização.


Diante disso, nos casos de responsabilidade civil por sharenting de filhos incapazes, devemos pensar em reparações não pecuniárias, haja vista que a relação familiar irá prosseguir após a ação judicial e o mero pagamento de indenização não impedirá novas exposições de imagens na internet, ou seja, o sofrimento de mais danos da mesma natureza. Em tais casos, me alinho à proposta de Anderson Schreiber que defende um olhar mais abrangente da Responsabilidade Civil, de papel pedagógico, como “a especificação de deveres de conduta, estimulando a reparação do dano sofrido, por meio da reconstrução familiar”[1]. No caso do sharenting de filhos incapazes, medidas como a determinação de remoção e abstenção de publicações que exponham indevidamente os filhos, sob pena de multa diária, aliada a realização de cursos de educação parental digital podem ser uma alternativa mais conciliadora.





[1] SCHREIBER, Anderson. Responsabilidade Civil e Direito de Família: a proposta da reparação não pecuniária. In: MADALENO, Rolf; BARBOSA, Eduardo. Responsabilidade Civil no Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2015. p. 40.

 
 
 

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